segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

CARTA DOS PONTOS DE CULTURA AO MINISTRO JUCA FERREIRA

CARTA DOS PONTOS DE CULTURA AO MINISTRO JUCA FERREIRA



ILM.º SR. JUCA FERREIRA                                                                                                                                Ministro de Estado da Cultura
Prezado Senhor
A Comissão Nacional dos Pontos de Cultura – CNPdC, vem por meio desta, parabenizar Vossa Excelência por sua nomeação para o Ministério da Cultura e desejar que a etapa que se inicia seja repleta de realizações para a cultura brasileira.
São muitas e históricas as demandas da comunidade cultural que se renovam a cada mudança de gestão, na expectativa de que os anseios e prioridades apresentados pela sociedade sejam contemplados pela vontade política dos governos. Das muitas proposições, podemos destacar: a descentralização das políticas públicas; a criação dos Sistemas Municipais de Cultura e a adesão destes aos sistemas Estaduais e Nacional de Cultura; a ampliação das ações da MinC no interior dos Estados; a ampliação dos recursos humanos, físicos e financeiros da pasta da Cultura; o reconhecimento da contribuição oriunda da participação social na criação, implementação e avaliação das políticas públicas; a garantia do controle social e da gestão compartilhada.
A Rede Nacional dos Pontos, Pontões e Pontinhos de Cultura têm contribuído na execução desses anseios por meio da representação e da efetiva participação dos agentes e dos grupos culturais em fóruns, conselhos, comitês gestores, câmaras técnicas, conferências, audiências públicas e espaços de discussão, proposição e avaliação das políticas públicas, principalmente, mas não somente, de cultura.
A Lei Cultura Viva vem reconhecer 10 anos de implementação da política que realmente ‘desescondeu’ milhares de instituições culturais nunca antes atendidas por políticas públicas de cultura. Além de desesconder os grupos e agentes culturais, a política promoveu a articulação em rede, a criação de redes de trocas, a formação-educação-interação estética nas mais variadas linguagens artísticas, em ferramentas de comunicação, em política cultural e em cidadania. A LEI Nº 13.018, DE 22 JULHO DE 2014, em vigor desde a data de sua sanção, vem para reconhecer e consolidar os resultados do Programa Cultura Viva, com a nova denominação de Política Nacional de Cultura Viva – PNCV, enquanto política de base comunitária do Sistema MinC.
O processo de regulamentação da lei, já em andamento, define mudanças importantes na gestão pública e na gestão dos projetos dos Pontos de Cultura, criando novas ferramentas e instrumentos; diminuindo e definindo fluxos e processos burocráticos universalizados;reconhecendo os espaços legítimos dos fóruns e a representação das comissões dos Pontos de Cultura; prevendo a criação dos espaços de monitoramento, avaliação e gestão compartilhada.
A primeira Instrução Normativa, de uma série de quatro previstas, trata das questões gerais e principalmente do Termo de Compromisso Cultural, instrumento criado pela lei que substitui o convênio e tem como objetivo permitir que a política comece a ser implementada, cabendo às INs seguintes tratarem, exaustivamente, das questões referentes a premiações, chancela, cadastro dos Pontos de Cultura, participação e controle social e da gestão compartilhada.
Faz-se necessário dar continuidade ao processo de regulamentação da lei e, ao mesmo tempo,promover o diálogo entre o Grupo de Trabalho de regulamentação da Lei, com a sociedade brasileira, com os gestores públicos, com os gestores dos Pontos, com as comissões estaduais e temáticas que compõem as Redes Estaduais de PCs, com os órgãos de controle e consultorias jurídicas, com as Comissões de Cultura das Câmaras dos Deputados, por meio de audiências públicas, campanhas de divulgação e seminários. Deve-se entender que a política acontece nos municípios, onde as pessoas residem, e para chegar aos municípios será necessária a articulação, o engajamento e a parceria entre o poder público e o poder civil.
Vale ressaltar que a Lei já se aplica aos novos Pontos de Cultura, selecionados em editais em 2014, e ainda aguardando o moroso processo de regulamentação, cabendo à Secretaria da Cidadania e da Diversidade Cultural – SCDC-MinC, as providências para a imediata liberação da assinatura dos Termos de Compromisso Cultural, assim que publicada a Instrução Normativa Nº 01.
Temos a oportunidade de consolidar um programa potencialmente vigoroso numa política pública de base comunitária para a cultura brasileira: essa é a dimensão do nosso trabalho e nossa reflexão vem no sentido de que esta política contemple a diversidade cultural brasileira.  Para tanto, repetimos, inaugura-se um novo momento, pois o que está dado, ainda não é suficiente para manter viva a Cultura Viva.
Neste novo período que se inicia é preciso reconhecer a cultura como estruturante na construção de um novo Brasil, que tenha no respeito à diversidade e aos direitos humanos sua base fundamental.
Para isso o Ministério da Cultura deve ser capaz de influenciar na agenda dos demais ministérios, muitos dos quais já realizam políticas transversais que envolvem a cultura.
Precisamos de um Ministério da Cultura que tome lado! Em defesa dos povos indígenas, dos ribeirinhos, dos pequenos produtores rurais, das mulheres, da população negra, dos povos e comunidades tradicionais, da juventude e tantos outros setores que compõem a maioria do povo brasileiro, mas que muitas vezes são invisibilizados pela cultura hegemônica capitalista.
O povo avançou muito nas conquistas materiais nos últimos anos, porém este avanço não foi acompanhado de uma mudança de concepção no imaginário subjetivo. O atual modelo de desenvolvimento consumista não nos representa, pois exclui a nossa cultura alimentar, nossas estéticas e tradições e busca subistituí-las por um estilo individualista competitivo, sem vida, sem cheiro, sem cor, sem alma. Precisamos superar esse modelo e construir uma sociedade que preze pela sustentabilidade, diversidade e cooperação. A cultura é essencial nesta disputa do imaginário da população, para mudarmos paradigmas e hegemonias.
Esperamos que o Ministério da Cultura seja um ponto de apoio fundamental na luta pela democratização das comunicações, para que nossas vozes e nossa diversidade cultural possam ser vistas e ouvidas.
A presidenta Dilma, em seu discurso de posse, destacou o lema “Brasil, Pátria Educadora”. Este lema precisa ser apropriado e conceitualmente disputado para termos uma educação libertadora, que potencialize cidadãos críticos e autônomos. Uma educação que tenha conhecimento, respeite e trabalhe com o nosso patrimônio cultural. Para construir este novo tipo de educação se faz absolutamente necessária uma cultura colaborativa, emancipadora e libertária. Uma cultura de compartilhamento de saberes.
Nestes 10 anos de Cultura Viva nós construímos e aprendemos muito coletivamente, tanto nas vitórias como nas derrotas, nos acertos e nos erros. É com respeito ao caminho trilhado até aqui que iremos, com muita ousadia e inventividade, criar o nosso futuro.
Os Pontos de Cultura e o Programa Cultura Viva não podem estar isolados das demais políticas do ministério. Eles podem e devem estar integrados à todas as ações do MinC e das políticas transversais realizadas em parcerias com outros ministérios, devendo ser a base comunitária destas políticas.
Obviamente que são necessárias condições materiais para transformar estes sonhos em realidade, e para isso afirmamos a necessidade de ampliação do orçamento do MinC. Esta ampliação deve vir acompanhada do fortalecimento dos fundos públicos, em detrimento das políticas de isenção fiscal. Apresentamos especialmente as seguintes demandas:
- Orçamento:
Investimento na ordem de 2 bilhões de reais em quatro anos para assegurar a implementação da  Lei Cultura Viva como permanência dos Pontos de Cultura em uma política de Estado, com dotação orçamentária prevista em dispositivo legal, mecanismos públicos de controle e gestão compartilhada com a sociedade civil.
Aumentar de R$ 60 mil para R$ 120 mil reias o valor de fomento anual  dos Pontos de Cultura.
Destinação de percentuais das Leis Rouanet e do Audiovisual para o Fundo Nacional de Cultura, vinculando esse recurso também ao Programa Cultura Viva.
Aprovação e execução imediata da PEC 150/2003 para destinação de 2% do orçamento federal, 1,5% dos estados e 1% dos municípios, advindos de receitas resultantes de impostos, sejam aplicados diretamente em Cultura.
Conceitos e Ações
Retomada de todas  Ações e Prêmios que compunham o Programa Cultura Viva original, e foram retiradas da gestão nos últimos. É importante afirmar está  política pública  vai além dos Pontos de Cultura e Pontões . Assim sendo consideramos fundamental as seguinte ações e prêmios:
Areté
Agente Cultura Viva
Escola Viva
Economia Viva
Ação Griô
Tuxaua
Pontinhos de Cultura
Economia Viva
- Cultura Digital:
Implementação da Politica Nacional de Banda Larga e da Ação da Cultura Digital da
Politica Nacional Cultura Viva. Ampliar o acesso é preciso, mas seu uso necessita ultrapassar o padrão de consumo de massa, em direção à apropriação dessas ferramentas pelo comum e para o comum. Não basta inclusão digital, é preciso o acesso à estrutura para promover uma cultura digital, colaborativa, que permita aos sujeitos se emanciparem.
- Culturas Populares, Culturas Tradicionais:
Reconhecer e fomentar, política e financeiramente, experiências que se desenvolvem tendo como foco os saberes e fazeres dos mestres e griôs de tradição oral e da cultura popular, com a criação de mecanismos permanentes de apoio e incentivo às redes de transmissão oral e seus vínculos com o sistema educacional e suas práticas nos diversos grupos étnicos culturais que formam o povo brasileiro.
Aprovação da Lei dos Mestres e Griôs
Aprovação da PL 7447, que estabelece diretrizes e objetivos para as políticas públicas de desenvolvimento sustentável dos povos e comunidades tradicionais.
- Cidadania e Diversidade Cultural:
Reconhecer e fomentar, política e financeiramente, ações permanentes e estruturantes de promoção da equidade de gênero; de afirmação das diversas identidades de gênero e orientação sexual; de valorização e afirmação de todos os recortes geracionais, étnico raciais e de crença religiosa; de afirmação e criação de mecanismos que garantam a todas e todos acessibilidade à fruição e à produção de bens culturais, sempre se orientado pela perspectiva política e econômica de ultrapassagem ou minimização das desigualdades de classe;
- Articulação politica e controle social :
Realizar uma primeira reunião, já no primeiro bimestre do ano de 2015, entre a Comissão Nacional dos Pontos de Cultura e Presidente da República, Ministro da Cultura, e demais Ministérios solicitados, e uma outra reunião após 02 anos de mandato para acompanhamento e avaliação da Carta de Compromissos.
- Estrutura de Gestão:
Valorização dos Servidores do Ministério da Cultura: – Instalação de política salarial permanente com reposição inflacionária, valorização do salário base e incorporação das gratificações;
Criação de um orgão especifico para gestão do programa Cultura Viva
Fazer todos os pagamentos dos termos de Compromisso Cultural, novo instrumento de repasse de recursos previsto na Lei Cultura Viva,  via Caixa Economica Fedral. E assim garantindo que não haverá atraso no pagamento.
- Sustentabilidade
Integração das políticas de Economia Solidária junto a Rede dos Pontos de Cultura revalorizando-se, assim, a Secretaria de Economia Criativa e a própria Secretaria Nacional de Economia Solidária.
Criação e implementação do Programa “Nossas Sedes – Nossas Vidas”: Politica nacional de sedes para iniciativas culturais coletivas e gestão compartilhada de espaços públicos, garantindo a diversidade arquitetônica, tendo o BNDES e Caixa Econômica Federal para financiamentos específicos deste programa.
Garantir desapropriação de imóveis que não cumpram a função social da propriedade, conforme previsto no Estatuto da Cidade, assegurando construção, manutenção, adequação e reforma, garantindo o acesso às pessoas com deficiência, incapacidade temporária e/ou mobilidade reduzida e necessidades visuais, sonoras e verbais, em conformidade com a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (ONU, 2008). E que também gere portaria indicando a concessão de uso de imóveis públicos ociosos para Pontos de Cultura, Pontos de Memória, Pontos de Mídia Livre, e Pontos de Leitura que não possuem sede própria e sejam reconhecidos pelo Programa ‘Cultura Viva’.
Em tempo, os Pontos de Cultura se colocam à disposição para o que se fizer necessário, enquanto enfatizamos a imperativa necessidade de mantermos o diálogo, na real perspectiva da gestão compartilhada.

Atenciosamente,

Comissão Nacional dos Pontos de Cultura
Brasília-DF, 12 de janeiro de 2015

*ACESSE O DOCUMENTO EM PDF:

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Pátria educadora e comunicação democrática

Colunas Marcel Farah

09/01/2015  |  domtotal.com

Pátria educadora e comunicação democrática

É impressionante como defensores dos monopólios midiáticos insistem em chamar qualquer discussão de pluralização e democratização da mídia de censura. É quase um tique nervoso.
Falta perceber, como bem afirmou o Juca Ferreira, novo ministro da Cultura, que hoje a censura é feita pelo setor privado, atual proprietário dos meios de comunicação. O que é publicado e o que não deve ser, é definido pelas redações privadas das empresas de comunicação. Um exemplo: qual o tamanho da repercussão do assassinato de mais de quatro dezenas de estudantes no México em setembro de 2013 na mídia nacional? Isso deveria parar nosso continente, assim como tem repercutido, e com razão, o assassinato da equipe do “Charlie Hebdo” na França. Mas não, a mídia pátria resolveu dar pouco destaque aos mexicanos.
Por mais que o novo ministério da presidenta Dilma seja contraditório, uma questão não podemos negar, o anúncio do novo ministro das comunicações e o novo lema do governo estão em total sintonia. Para que o Brasil se assuma como “pátria educadora”, é preciso ter democracia nas comunicações.
Segundo a presidenta, o lema tem duplo significado, o de priorizar a educação, e o de buscar o sentido formativo ou educativo de todas as ações do governo.
Querendo ou não, as ações de um ente social, como o governo ou o Estado, têm um sentido educativo. Servem de exemplo, podem ser avaliadas, aprendemos com elas, assim como podem nos ensinar. São fatos sociais, políticos e educativos. Portanto, o sentido educativo das ações de um governo existe, independente da vontade do governo.
Contudo, a educação pode servir a qualquer projeto de nação. Tanto a um projeto conservador, preconceituoso, individualista, machista, homofóbico, sexista, anti-democrático; quanto a um projeto progressista, igualitário, solidário, colaborativo, que supere toda forma de opressão e seja efetivamente democrático. É aqui que entra a responsabilidade de um governo, a depender do projeto que o mesmo defende.
O novo governo brasileiro foi eleito para um projeto de mudanças progressistas, com mais e melhores serviços públicos, com reforma política, com aprofundamento da democracia. É neste sentido que a pátria educadora assume seu inteiro significado. Revelando que o novo governo torna-se consciente do sentido educativo de todas suas ações para construir um projeto democrático e popular de sociedade.
Não há como garantir que a educação liberte e que o conhecimento seja democratizado sem o reconhecimento do sentido educador das políticas de comunicação. A comunicação também educa, também fomenta valores, também constrói símbolos, também serve como exemplo, pode ser avaliada, e ensina.
A defesa de uma pátria educadora, é também a defesa de cidades educadoras, de territórios educadores e de uma comunicação educadora. Que fortaleça o pensamento crítico, incentive a emancipação e a participação patagônica do povo. Estamos frente ao eminente fortalecimento da construção de políticas públicas emancipatórias.
Em termos de comunicação, nada mais adequado que permitir que mais vozes se expressem pelos meios de comunicação de massa, para além das poucas grandes empresas que dominam a esmagadora maioria dos meios. Portanto, para uma pátria educadora é essencial uma comunicação democrática e plural. O que equivale a uma política de comunicação emancipatória, que se abra à participação popular, que eduque ao permitir que as pessoas exerçam sua voz.
Portanto, não se trata em absoluto a qualquer medida de censura, em que um polo de poder centralizado define o que será publicado e o que não será. A nova tarefa do ministério da comunicação é a desmonopolização, desconcentração, regulação econômica, e consequentemente a ampliação do grupo de atores que definirá o que será publicado ou não.
Estamos às portas das políticas de comunicação e educação do futuro, da sociedade do conhecimento. Como conhecimento não se perde ao ser compartilhado, pelo contrário, se aperfeiçoa, a prática do compartilhamento, da produção coletiva, da economia solidária superarão a concorrência e o patenteamento de conhecimento como únicos estímulo à evolução técnico científica. Este, talvez seja o maior passo a ser dado para uma verdadeira e democrática revolução educacional brasileira, que muito além da escola e da universidade envolverá toda a sociedade.

Marcel FarahEducador Popular – Departamento de Educação da Secretaria Geral da Presidência da República